10/22/2006

insolência espiritual

-Paciencia, homem.
Agora já sabes o que custa a vida.
- Tudo bem, Deus.
Dormi mal esta noite.
- Pois é, homem.
Assim é que se aprende.
- Tudo bem, Deus.
Escusas de ser tão paternalista.
- Paternalista !?
Eu !?
Mas...
Mas...
- Vá lá, Deus.
Relaxa.



Detalhe de: in the face of god-Ron Francis

10/15/2006

não há bela sem senão.


- Já não há principes de cavalo branco (...)
Dizia-me a recém conhecida, triste e contrafeita;
e enquanto ela se repetia, gorda nos exemplos, dei-me conta do seguinte:
- Sabes.
É curioso; mas para nós, os homens, ainda existe a bela adormecida.
(Captei a sua atenção).
- Então..?
- É que acontece-me algumas vezes, estando uma relação proxima do fim, e já não tendo eu, sequer respeito pela minha namorada, dar ainda por mim, ao seu lado na cama, a observá-la enquanto dorme, e a sentir por ela, um grande amor.



Edward Hopper
, ilustra de forma maravilhosa o meu diálogo do dia, com o seu
reclining nude.
Um outro titulo para este post, podia ser: Sê bela e cala-te.
Frase atribuida a Charles Baudelaire, em circunstancias desconhecidas.

10/12/2006

um rapaz optimista

Do mais fundo dos meus ais, saiem ondas espumosas e negras, que ao desaguarem na luz da razão, logo se espalham na inexistência.
Do mais antigo dos meus medos saiem soldados em feliz fim de guerra, regressando à sua branca criação, após a mais absurda destruição.
Do mais fundo do meu ego, sai um suspiro, que mais parecia ser, um grito.
Do mais fundo do meu olhar, saiem por fim, as imagens mais enganadoras.
Se tudo sai, depois de entrar;
Se tudo passa, depois de chegar, do mais fundo do meu gesto bruto, sai por fim uma dança que quero contemplar.
No mais fundo da dúvida, não existe luz para se ver a dúvida;
Do fundo do mundo emerge um grande calor, como no fundo do meu ser emerge este fogo, ascendendo a todo o fora.
A luta é indigente, quanto mais me é indiferente, pois o que sinto não posso negar, se não estou morto ou fora desta vida.
Do mais fundo das minhas palavras, sai toda a confusão que possam ter,
e assim, clarificadas, sua história e seus caminhos eu partilho.
Sem que a nada me oponha, desmentindo ou concordando, todas as palavras me rodeiam de surpresa.
Agora que o sinto, no mais fundo do meu aqui, encontro uma criança, uma e outra vez, e voltado para ela, fico vendo as coisas tal como ela as julga sentir, bem como o poema que tenta construir, e portanto, logo que o vejo, abandono a pressa de me abandonar, e já que aqui estou, aproveito para me saudar, bem como ao tempo que eu vier a demorar.

Dentro do abraço desta nova pessoal, sei que um dia se poderá dizer deste ditado, que foi escrito por um rapaz muito optimista, e dai para aqui, vejo bem o poder que este aqui reserva, e eu por mim recebo.

N.G. 1996
Gravura de Herman Hesse, um companheiro de optimismos.

10/10/2006

Familias

E as familias suspeitavam umas das outras, numa dança tonta que as não animava, crendo nos seus, mas desconfiando dos seus, porque se engole, o ser faminto?
As familias tinham regras muito rígidas, como paises, cada qual com seus costumes.
O que defendiam, eram mentiras sujeitas ao tempo.
O grande ainda aceita o pequeno, mas no desmedido não cabe nada.
As familias resistiam a esta ideia, preferindo antes uma segurança falsa, tonta, artificial, claro, como se sabe, mesmo as familias, falsa e tonta.
Por isso fendas se abriram por baixo delas, como na bíblia do poeta, não fui só eu que vi.
E as familias eram sempre de alguém, que continuava a dor das familias de alguém, toda a gente sabe qual o desejo por trás das suas forças...
As familias estavam e estão, muito longe ainda, de poder ter o além, mais adiante ainda.

10/07/2006

Love in war

Para aquele que escreve, mas não concebe ainda, o supremo autismo das palavras.
Para o que escreve, crente nos destinos.
Para o que imagina com orgulhosa piedade.


Para o que soma textos sem nunca se ferir.
Para o que julga sentir.
Para o pobre tonto:

Esperas que te admire no teu terrestre equilibrio.
Falas e falas, que escreves e escreves...
O que me apetece mais é insultar-te, virar costas aos teus andaimes, perder de vista meu olhar sobre o vale.
Está lá escrito tudo o que escreves, e o mais ainda que não podes escrever.
Basta.
Não me aborreças.
Morre neste silencio, ou num outro à tua escolha.

E quando o silencio te tenha falado, deixa vencer os teus sentidos.
Dá-te a cada sopro, cede,
e só depois escreve, escreve.
(N.G.)
imagem de Margie Labaddy
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